17 julho, 2023

A Canseira do Amor Próprio

Milene C Siqueira


Eu não sei você, mas eu ando bem cansada desse blá blá blá de amor próprio. De que você só será capaz de amar o outro quando amar a si mesma. Isso na verdade parece é muito mais inatingível, desesperador e autocentrado.

E na real, acho que o que a gente queria mesmo, do fundo do coração, era a simplicidade de sempre amar e ser amada!

Mas não tem o pra sempre né? Tudo é impermanente e tá ok.

Além dessa ser a complexa dinâmica afetiva que envolve toda nossa vida, aqui tem também um x da questão. Enquanto o desejo realizado de ser amada nos blinda com um afeto gratuito ou retribuído, ele é em especial um porto seguro, um contentamento para a nossa criança. E tudo bem, porque nem por isso é menos importante, e preenche ou apazigua necessidades que validam a nossa primeira infância, onde a idealização era receber todo amor a experienciar, sendo amado/amada.

Já o amar é o território do amadurecimento, é quando o amor que se dá não visa retribuição. É quando percebemos que o amar é a própria gratificação do amor. Porém, em relacionamentos de casais, amar precisa ser o propósito em comum, ainda que não tão iguais, onde horas vamos amar mais que ser amados e vice-versa. Mas, é a permanência no propósito que dará continuidade, e assim a possibilidade de que tambem dentro do relacionamento hajam curas.

Fato é que, quem ama nesse nível de maturidade será inevitavelmente amado.

Byron Katie, a idealizadora do The Work, fala sobre amor próprio como uma prática de conexão, nós nos conectamos com o nosso amor ao pensar ou estar com o outro, e também ao lavar a nossa louça, escovar os dentes... quando em tudo aquilo que fazemos colocamos conexão afetiva... estamos então praticando, segundo a Katie, o “amor próprio”, ou melhor, o amor que nos é próprio. E conexão é como se define também autocompaixão, onde além de nós, vamos sempre incluir o outro, seja por forma ativa ou em aspiração.

Agora... pensar em fazer algo para lhe conferir amor próprio, como a tal autoestima é mais difundida, é mero efeito cosmético... embora tenha o seu valor estético é isso, coloque água e sabão e mais cedo ou mais tarde, vai emborar! Autoestima é hoje sinônimo de consumo para o mercado, porque você sempre vai achar que precisa fazer algo, ou seja, que precisa consumir, para imaginar-se aceita. E não é apenas a estética em si, mas todo tipo de milagres à venda. E em toda essa dinâmica da autoestima mercadológica, claro que tem muito da nossa cultura capitalista.
E por mais que a gente saiba da importância de todas as formas amorosas de autocuidado e fale da beleza do amor próprio, a verdade é que nem sempre a gente tá disposta ou sente-se capaz de acessar esse auto amor... se fosse fácil, boa parte dos problemas do mundo estariam resolvidos.

Por baixo de toda dificuldade moram traumas, dores, que todos nós temos, e que podem impedir que esse nosso ser habitual, egóico e identificado, desfrute do amor próprio, de dar-se o cuidado e o amor que ele não pôde reconhecer - porque em meio ao dito “amor”, haviam tantas outras sensações... tristezas, raivas, frustrações, indignações, abusos, brigas, solidão, interesses... então o que era, o que é o amor?

Investigar, descongelar cenas, discernir a confusão, olhar com amplidão e compassividade, acessar a sabedoria dos mananciais afetivos, são possibilidades em dar passos rumo à integração dos nossos afetos.




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