19 julho, 2023

Raiva, a filha do Medo

 por Milene C. Siqueira



Raiva, assunto delicado. Só notamos a raiva, similar a um vírus inativo que carregamos e que conforme o ambiente se "inflame". E mesmo manifestada, há quem não a reconheça ou a esconda. Afinal, para muitos de nós ficou bem entendido que sentir raiva é muito feio. É "humanamente" feio!

Raiva é filha do medo.
Reprimir a raiva é aumentar o medo. Aumentar o medo é ficar cada vez mais refém de uma segurança vendida pelo mercado ou pelos falsos líderes.
Então, por repressão, outro jeito da raiva se manifestar é no ataque silencioso, seja nas doenças físicas, acidentes*, ou na sua forma mais contida e voltada à si mesmo, a depressão. Ou, ainda em formas mais discretas como a irritabilidade ou a fome (a ânsia da mordida)!
*entenda-se doenças e acidentes não como efeito generalizado.

Vivenciamos a raiva como a sensação conflitante entre potência (desejo) diante de uma (realidade de) impotência. E desejo é qualquer desejo, inclusive o de que algo não seja revelado, visto.
Olhar para a raiva é olhar para os medos, para nossas vulnerabilidades.
E se o desejo for esconder a fragilidade, quando alguém tocar na ferida... já sabe: ira! Nesse caso, ser vulnerável, ser água... é o jeito de abrandar as tensões contraídas da raiva e amansar suas labaredas!

O que nos faz reprimir a raiva, se não os julgamentos a seu respeito? O contrário da repressão não é expressão exatamente, é o direito pleno a sentir, sem julgar o sentimento, sem concluir. E é sentindo que nos autorizamos também a sentir plenamente todas as sensações, como o medo natural e o prazer.

E sentir a raiva, não é sentir raiva de algo, ou de alguém, ainda que inicialmente pareça isso, mas é usar da experiência para sentir a potência dessa energia ígnea. É permitir que os insights que esse sentimento tem para lhe oferecer emerjam, se forem necessários.

Se os julgamentos persistem (e claro que não é tão simples se livrar deles!), a tolerância e a paciência, são os recursos sempre bem-vindos. Principalmente, por estarmos acostumados a projetá-la, seja ao parceiro(a), filhos, políticos, ao time rival do futebol, e até na comida. É a raiva que pode ser socialmente ou em grupos "justificada".

O julgamento justifica e dá alimento a raiva.
Julgando-se ou não sendo permitido a sentir, reprime-se e alimenta-se o medo.
Julgando o outro ou uma situação, alimentamos a violência externa.

Tirando o julgamento ao outro, e principalmente entendendo as necessidades pertinentes, a raiva rapidamente se dissipa. Esse é um processo indicado, mas também delicado, porque podemos direcioná-la a nós somada em culpa e/ou vergonha, dependendo da situação. Afinal, ainda não resvalamos no medo, nas fragilidades. Ou... poderemos tentar escapar por um outro meio, do criativo às drogas, jogos ou meios "espiritualizados". E principalmente na fuga espiritual é onde mais alimentamos a sombra - como quem coloca um perfume sem ter tomado banho - o problema é que imaginamos ter escapado do julgamento, mas ignorando estar operando dentro dele, julgando. Julgando que podemos ser "bons" (oposição).


"Toda sombra é pequena, do tamanho de uma criança"

Sentimos raiva por uma compaixão torta. Sentimos raiva por um desejo intenso por justiça. Justiça originalmente para quem? Para uma parte nossa, em geral, para nossa criança... Precisamos dar voz à ela! Sem julgamento, sem culpa, sem vergonha. E aqui onde moram as crianças caladas, também moram os medos, mora o castigo, os monstros, os abismos... por isso é preciso se reconhecer em território seguro, caminhando de novo nos passos pequenos da sua criança, até se tornarem firmes na terra e saltitantes no ar novamente!

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